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08/11/2010
Indústria perde competitividade e 'rombo' na balança do setor cresce
São Paulo - A indústria brasileira tem exportado menos, importado cada vez mais itens que eram tradicionalmente produzidos no Brasil e, limitada por câmbio, impostos e custos, perdido competitividade no exterior, indicam especialistas ouvidos pelo G1. Em setores de maior valor tecnológico agregado, há casos em que a exportação foi simplesmente banida dos negócios porque deixou de ser vantajosa para a empresa. Até o fim de 2010, as importações da indústria de transformação (que transforma matéria-prima para obter produtos novos) devem superar as exportações em US$ 35 bilhões, mostram dados do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi). Quanto mais alto o nível tecnológico do produto fabricado pela empresa, maior o “rombo” na balança comercial: enquanto as vendas externas de produtos de baixa intensidade tecnológica, como as matérias-primas, soja e petróleo, superaram as importações em US$ 36 bilhões em 2009, a diferença para o setor de produtos de nível médio/alto de tecnologia ficou negativa em US$ 26,7 bilhões no mesmo período, afirma a entidade. "Isso porque o Brasil é muito competitivo no setor de commodities agropecuárias, setor em que temos muito domínio tecnológico, somos muito competitivos e há demanda mundial, o que nos habilita a entrar no mercado a despeito do câmbio", afirma Rogério César de Souza, economista-chefe do Iedi. É essa competitividade no setor de commodities que explica, majoritariamente, que a balança comercial brasileira se mantenha positiva no ano - até 17 de outubro, as exportações superavam as importações em US$ 14,18 bilhões. Mas no setor de máquinas e equipamentos, por exemplo, o déficit acumulado da balança de 2004 a 2010 já é superior a US$ 43 bilhões, segundo estimativa divulgada em outubro pela Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq). "Em função da desvalorização do câmbio, os nossos produtos acabam ficando mais caros lá fora e a relação de competitividade é um pouco complexa", explica o professor de economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Evaldo Alves, que ressalta que, além do câmbio, o "custo Brasil" também atrapalha os negócios: gargalos de infraestrutura, burocracia, por exemplo, encarecem a produção. "Há as rodovias brasileiras que estão numa situação carente, há a excessiva burocracia, uma questão estrutural que faz com que o ambiente de negócios não seja tão atrativo quanto o de outros emergentes", diz Alves. Só em 2010, o dólar acumula baixa de 2,29%. Na quinta-feira (28), durante a divulgação do indicador de atividade industrial da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), o diretor do Departamento de Pesquisas e Estudos Econômicos (Depecon) da entidade, Paulo Francini, atribuiu esse salto nas importações a uma "constelação" de motivos formada por taxa de câmbio sobrevalorizada, forte demanda interna e recuperação dos mercados externos. "É evidente que isso é uma grande preocupação. A trajetória é claramente de desindustrialização. Você tem uma perda de importância relativa da indústria no conjunto da economia. É realmente um risco", afirmou. Matando a 'galinha' Evandro Orsi, diretor comercial da TM Bevo, empresa de São Bernardo do Campo que fabrica centros de usinagem e máquinas de torneamento, diz que as exportações já representaram 30% dos negócios da companhia, para países como México, Europa, China e EUA. Hoje não exporta nada. "A última exportação terminou no ano passado. Demoramos para firmar relacionamentos lá fora, mas não tivemos condições de manter", afirma. Desde 2006, o quadro de funcionários foi reduzido pela metade, de 120 para 60. Orsi diz que vê claramente um processo de "desindustrialização", já que a própria empresa já importa 20% dos equipamentos necessários para fabricar suas peças e deve chegar a 50% de importações no ano que vem. "Não acontece isso só com a gente, mas com os nosso vizinhos do setor de bens de capital. De 2007 a 2009 a gente não cresceu nada, estamos diminuindo. Até nossos clientes estão trocando: quem fornece peças para montadoras, indústria agrícola, bens de consumo, já começa a importar", afirma. Para ele, falta uma política industrial que incentive setores estratégicos da economia. "O único país do mundo que taxa bens de capital é o Brasil, não existe isso em outro lugar. É matar a galinha que põe os ovos", lamenta. Câmbio, juros e custo Para Rogério Souza, do Iedi, a enxurrada de dólares atraídos pelos altos juros brasileiros é um dos principais fatores que influenciam o dólar baixo. O fluxo de moeda, prevê, deve aumentar ainda mais com eventos como a Copa em 2014, as Olimpíadas em 2016 e a exploração do petróleo do pré-sal. Alves, da FGV, acredita que a saída para reverter esse quadro de muito dólar especulativo no mercado seria atrair mais investimento direto na economia brasileira. " A vinda de mais investimento direto na produção vai criar demanda por compra de máquinas, equipamentos. Vai melhorar o câmbio, demandar mais dólar para ampliar fábrica", analisa. Na avaliação do economista do Iedi, outra razão para o mau desempenho da indústria brasileira no exterior é a agressividade de economias como EUA, Inglaterra, Japão, Coreia. De olho na recuperação econômica e com mercados internos "mornos", eles têm apostado todas as fichas nas exportações. "Lá fora, a saída dos países desenvolvidos que ainda estão patinando na recuperação econômica a estratégia é o setor exportador. Conseguiram financiar a produção com juro quase zero", diz. Souza, do Iedi, destaca que as companhias brasileiras precisam investir mais em inovação e pesquisa para ganharem competitividade. Para isso, ele vê a necessidade de uma política industrial mais focada. "Precisamos de uma política industrial e de investir mais em P&D (pesquisa e desenvolvimento) senão a gente vai ver isso daí, essa indústria perdendo espaço. Em cinco ou seis anos, veremos diferentes elos da indústria se desmantelando", prevê.